Nós e os passarinhos

Lendo na revista mensal do Jornal Pitoco de Cascavel, uma crônica sobre passarinhos prisioneiros, da lavra do editor Jairo Eduardo, me veio a lembrança os meus tempos de menino, também caçador de passarinhos.
Quando morávamos na região missioneira do Rio Grande e também depois no oeste do Paraná, o costume de caçar passarinho com bodoque era comum a qualquer menino.
Quando se abatia uma pomba rola, uma juriti, ou qualquer pássaro maior, aproveitávamos a carne, pelo menos. Mas, quando as pobres vítimas eram pássaros menores, era apenas pelo gosto de abater os bichinhos.
Naquele tempo ninguém proibia a matança de passarinho. Diziam apenas que era pecado. Mas isso tinha solução, bastava a gente confessar os pecados ao padre no final de semana. Depois voltava pra casa com a alma vazia de pecados e enchia a boroca de pedras e caía nas capoeiras caçar passarinho.
Ninguém falava nada sobre ecologia, proteção da natureza ou da fauna. Nem os pais nos proibiam de matar pássaros, preás ou lagartixas.
Em Mato Grosso, embrenhado na floresta amazônica, eu não tinha por hábito caçar, mas ajudei abater porcos do mato a paulada de dentro do barco, quando as varas de queixadas tentavam atravessar o rio Juruena. Depois ficava pensando naquela covardia...
O pior foi quando certa vez um colega atirou numa anta e mesmo ferida continuou mergulhando e voltando à flor da água. Estávamos em três na voadeira. Ela cansada, permitiu nossa aproximação e a laçamos com uma corda. Como o outros dois eram mais fortes, coube a eles segurar o tapir na corda e me coube sangrá-lo.
Jorrou muito sangue que tingiu a água ao redor. E assim que ela se entregou, a arrastamos até uma pedreira para embarca-la na voadeira.
No outro dia no almoço, todos comeram a carne da anta. Eu não consegui.
Hoje não gosto de pássaros engaiolados. Nem daqueles explorados para concursos de canto. Tive aqui na minha chácara um papagaio que um vizinho na mudança me deixou. Cuidei dele por uns tempos, mas de quando em vez eu abria a gaiola e ele subia numa pequena árvore próxima. Um dia ele sumiu. Deve ter seguido com um bando de papagaios que rodeavam por ali. Fiquei feliz com a fuga dele.
Não faz muito, um colega do TRT encontrou um periquito ferido na asa e minha esposa aceitou traze-lo para eu cuidar. Eu brincava com ele, dava o dedo para ele bicar e quando comecei a soltá-lo, conseguiu dar apenas uns voos curtos. Mais tarde, um deixei a gaiola aberta e ele se foi voando por aí.
No começo da década de 70, morando com uma família de italianos na região serrana do Rio Grande, num sítio belíssimo com muitas frutas, costumávamos caçar sabiás, que aos bandos vinham comer caqui.
Eu ficava apontando a “espera um pouco” para o caquizeiro e as vezes abatia dois com um só tiro. Guardava-se no freezer e quando juntava mais de uma dúzia, jantava-se sabiás ao molho com polenta.
Passados mais de 40 anos, num dia meio frio de junho, estava comendo um caqui aqui em casa, quando um sabiá pousou bem próximo e me inspirou estes versos.
Frio, caqui, sabiá
Um frio, um caqui, um sabiá...
Levaram-me pra longe no tempo,
Pelo espaço a vagar...
E a saudade me traçou um esboço,
E eu voltei a ser moço,
E ser moço é sonhar.
Frio, caqui, sabiá...
Juventude que longe está,
No belo canto interrompido,
Do passarinho abatido,
Como um amor, por lá vivido,
Que nasceu e morreu por lá.
Frio, caqui, sabiá...
Lembranças daquela flor,
Lamentos daquela dor,
Só ouço um canto por cá.
O amor foi sublimado,
Da flor, o ramo murchado,
Valeu o aprendizado.
Que sopre o vento bem frio,
Que madure o fruto no estio,
Que renasçam os sabiás.
Na vida nada é em vão,
Nem as dores o são,
Mas e do amor, o que será?
Só frio, caqui, sabiá...
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Ademar Adams