
De capitão a general!
Empreendedor moldado pelo fogo, Claudinei dos Anjos viu a fábrica de colchões destruída por um incêndio que faria surgir a fagulha a torná-lo um dos maiores nomes do Brasil no segmento

O “soldado” Anjos nasceu na Linha Cerro Azul, hoje Santa Lúcia, lugar que pertencia a Cascavel na segunda metade dos anos 1960, mas que tinha como referência o município de Capitão Leônidas Marques. Ali, em Capitão, ele montou as bases daquela que se transformaria em uma das maiores indústrias do país no segmento.
Mas antes de acessar o andar de cima em Capitão, o jovem Claudinei dos Anjos seguiu um conselho do pai e passou a atuar, ainda na adolescência, em uma agência bancária de Cascavel. Na época, a perspectiva de ascender à classe média era gerenciar uma agência, e o Banco do Brasil era o auge.
Logo Claudinei percebeu que não era aquilo que vislumbrava e “arriscou um tiro” no quartel, influenciado pela carreira do pai, João Marques dos Anjos, que fez parte das forças de paz da ONU no Canal de Suez, no Egito. O filho foi recruta e soldado no 33º Batalhão, de Cascavel. Mas para quem nasceu em Capitão para oficial, insígnia de soldado raso era insuficiente.
Mesmo desaconselhado, Claudinei iniciou uma pequena indústria de sofás em Capitão. O primeiro lote de estofados saiu da fábrica sem comprador. Então trocou pelo “pangaré” da bovinocultura, os boizinhos “vira-latas” da raça popularmente conhecida como Tucura.
Assim a produção inicial daquela que seria a multinacional Anjos Colchões & Sofás, hoje com mais de 300 lojas de Norte a Sul do Brasil, Paraguai, Chile e Uruguai, “berrou” literalmente. O sofá mugiu, virou boizinho, em escambo de poucos precedentes.
Esse foi apenas o primeiro incidente a testar a resiliência do soldado que se fez capitão na terra natal, e agora almeja o generalato mirando a milésima loja pelo sistema de franchising. A seguinte entrevista foi concedida para o Pitocast, o podcast no Pitoco, e pode ser acessada na íntegra no YouTube e Spotify.
SONHO DE PAI
Eu nasci ali, entre Lindoeste e Capitão, quando tudo pertencia a Cascavel. Meu pai sempre quis nos dar estudo. Estudei em Cascavel nos colégios Santa Maria e Cristo Rei. O sonho do meu pai, seu João, é que os filhos fossem gerentes de banco. Meu irmão mais velho entrou no Bamerindus, eu fui office boy no banco Real. Fiquei dois anos e comuniquei a meu pai que iria sair. Ele não gostou da ideia. Fui para o quartel, servi no pelotão de manutenção, era datilógrafo e motorista, em 1987. Saí do quartel em janeiro de 88, e logo em seguida, aos 19 anos “engravidamos”, eu e a Nereide, ela aos 16 anos. Casamos em julho, quase crianças, e agora celebramos 37 anos de casados.
VIDA QUE MUDA
Desempregado, acabei virando político, né? Fui candidato a vereador em Capitão Leônidas Marques, com 19 anos. Fui eleito, para surpresa de muitos, porque eu quase não morava lá. Sempre falo, dos 332 votos que fiz na época, 100 votos foi meu sogro que ajeitou, 200 votos meu pai que arrumou e os restantes 32 votos fui eu que consegui para ser o quinto vereador mais votado. Veja como a vida mudou, aos 19 eu estava casado, pai da Lauren e já era vereador na cidade. Então veio o compromisso.
NASCE O INDUSTRIAL
Era o ano de 1990. Estávamos com o então prefeito de Capitão, o falecido Henrique Da Cas, e outros vereadores assistindo uma palestra na Câmara Municipal de Curitiba. O palestrante versava sobre atração de indústrias para municípios do interior, como o nosso. Ele disse: - Vocês têm que pegar um pecuarista, um agricultor, um médico, um advogado, um comerciante e unir para fazer uma sociedade e ali nascer uma indústria. Não adianta prospectar em São Paulo, ou Santa Catarina, que é muito mais difícil.
De repente, bateu na mesa e falou: - Por que você, vereador, não entra junto nesse projeto de uma indústria na sua cidade? Parece que veio para mim. Voltando da viagem eu comentei com o prefeito que iria montar uma indústria. Eles olharam para mim com alguma descrença, um menino ali de 20 anos na época, e deram uma resposta protocolar: - Tudo bem, nós ajudaremos.
“SENTA AQUI, FILHO”
Meu sogro tinha loja de móveis. Nos fundos, ele reformava sofá. Fiquei observando aquilo e falei: - Vou montar uma fábrica de sofás. Comuniquei a intenção ao meu pai, que na época mexia com compra de cereais e tinha aquelas bodegas de interior. Ele falou: - Filho, isso não vai dar certo! Então ele me puxou pelo braço, me colocou sentado no sofá e disse: - Olha, esse sofá aqui tem uns 10 anos, acho que tua mãe vai reformar para mais 10 anos. Como é que você vai vender sofá?
Entendi o argumento, mas decidi começar, se não desse certo, faria outra coisa na vida, afinal não iria me endividar muito, investimento inicial pequeno, vou começar. Então meu pai e a família toda apoiaram incondicionalmente e assimfoi o início da fábrica lá no ano de 1991.
SOFÁ VIROU BOI, MUGIU…
Os primeiros sofás que eu fiz, um lote de uns oito ou dez, não conseguia vender. Tentei colocar na loja do sogro, e ele foi branco e franco: - Cara, até avisei, eu fabrico aqui os meus, eu não vou comprar. Então fui ao concorrente do sogro, era o bicheiro da cidade que tinha uma lojinha de móveis. Ele propôs uma permuta, daria umas vaquinhas e uns boizinhos no negócio. Foi a única alternativa. Feliz da vida, liguei para o meu pai pegar a camionetinha boiadeira e ainda disse: - Vamos buscar o gado que eu comprei!
Chegamos lá, era tudo gado Tucura, uma variedade de baixa aceitação no mercado, como se fosse o pangaré dos cavalos, o vira latas dos cachorros, com baixo valor comercial. Então meu pai ligou e disse: - Rapaz, eu estou falando para você que isso aí não vai dar certo. Dá um jeito de vender isso aqui porque não vai dar certo esse negócio!
Diante do impasse do que fazer com o gado, eu já estava a pé. Então troquei o boizinhos por um Fusca amarelo com o veterinário da cidade. Em resumo, o sofá virou boi, que virou fusca e meu pai, mesmo fazendo suas ponderações, sempre foi parceiro e apoiou o empreendimento.
SUCESSÃO GERACIONAL
Neste ano criamos o conselho de administração da empresa. Temos o meu filho Leonardo trabalhando, o pequeno ainda está estudando, mas já estou colocando ele para fazer as visitas nas lojas para entender o que é varejo, o que é comércio. E dentro desse conselho, serviço tem bastante. Então cada um pega a sua parte, o seu serviço, no seu setor e tem que apresentar resultados. Nessa experiência estão surgindo algumas coisas novas para mim, mas percebo que deu uma luz, uma direção para a empresa. Então eu vejo esse processo de transição geracional com muita tranquilidade, pois estamos bem assessorados. Destaco também o papel de minha mãe, Idalci, que sempre atuou no setor de costura da fábrica, meu irmão e sócio Andrey, no financeiro, e minha esposa Nereide com atuação nas lojas de móveis.
CENTRALIZA OU DELEGA?
Delego. Opa, tem que delegar, né? Não tem como, se a pessoa quer crescer, a primeira coisa que tem que aprender é delegar que é diferente de delargar. Tão importante quanto delegar é formar pessoas. Ensinando em cada departamento, em cada setor da empresa, você vai colocando uma pessoa e vai conversando. Sempre a minha primeira pergunta quando eu converso com o gerente, com o encarregado é: - qual é a sua dor? Qual é o seu problema? Então vamos dividir, aí eu dou ali a minha opinião. Passada uma semana, volto lá, está tudo certo? Deu certo o que nós combinamos? Deu. E assim vai indo. Se você quer crescer, a primeira coisa que deve fazer é estudar para aprender a delegar.
O OLHAR DE FORA
No início eu era o financeiro, eu era o vendedor, era o entregador e comprador. Então você vai crescendo e trazendo pessoas. Mas aí você já conhece todos os processos, pois passou por cada um deles, do chão de fábrica a decisões administrativas estratégicas. É fundamental saber fazer para saber mandar. São 35 anos de empresa, o que aconteceu três décadas atrás é muito diferente de hoje. Temos que ser abertos a novos aprendizados. Gosto muito de viajar, visitar os clientes, participar de feiras. Tem que estar ligado, observando tudo dentro do seu segmento. Eu observo a empresa de fora para dentro e acabo encontrando soluções que não enxergaria de dentro para fora.
INCÊNDIO DEVASTADOR
Uma virada de página na história da indústria aconteceu em 1998. Tivemos um grande incêndio que consumiu 70% da nova fábrica que estávamos construindo.
Estávamos crescendo rápido, e, de um dia para o outro tudo virou cinzas. Ali eu parei para pensar: prossigo no ramo ou vendo o que eu tenho para pagar as contas? Bom, quando eu comecei, não tinha cliente, não tinha produto, não tinha equipe. Naquele momento eu tinha uma dívida grande daquilo tudo que foi queimado, mas eu tinha clientes, tinha os funcionários, os modelos, e crédito para comprar. Aquele fogo moldou as próximas páginas da nossa história e construiu novos caminhos na gestão e administração.
ENSINAMENTO DO FOGO
Aquilo que perdemos no incêndio se transformou e um ensinamento muito relevante para dar a sequência na empresa. Em coisa de dois anos a gente conseguiu pagar todas as dívidas do incêndio e a empresa começou a crescer novamente. No ano de 2000, compramos as máquinas e demos mais um passo na verticalização dos processo com a fábrica de espuma. Entao recebemos um provocação do pessoal que vendiam máquinas: - por que você não fabricam colchão? Inicialmente resisti a ideia, mas aceitei o desafio. Tá bom, vamos começar a produções colchão. Hoje o nosso negócio é 90% colchões e 10% sofás.
DIMENSÃO DA EMPRESA
Depois de um incêndio devastador que nos testou ao limite como empreendedores, refizemos a a rota e a direção e a empresa cresceu. Hoje são 650 funcionários diretos na empresa após visualizarmos novas oportunidades. Há 10 anos iniciamos o projeto de lojas para fechar o ciclo de produção. Hoje nós temos 250 lojas franqueadas. Aí as pessoas perguntam: - mas a loja é sua? Não, a loja é do franqueado. Não precisa ser nossa, pois ela irá expor e vender o que fabricamos. A gente fez um projeto, meu filho Leonardo entrou de cabeça nesse projeto e deu certo. Hoje, essas lojas representam entre 50% e 60% do faturamento da indústria.
A FRANQUIA
Eu vou contar a história da franquia. Deu tudo errado no início. A gente começou umas lojas, mesclando com lojas próprias, não tínhamos controle, teve roubo, teve problemas financeiros, teve problema tributário, era preciso recomeçar.
Então chegamos a um projeto maduro de franquia validado pela Associação Brasileira de Franchising faz. Contratamos consultorias, fizemos o projeto acontecer. E entendemos uma premissa básica e objetiva: um projeto de franquia só cresce se o franquiado ganhar dinheiro.
Quando alguém vem conversar comigo a respeito eu já pergunto de cara: - O teu franqueado vai ganhar dinheiro? Se positivo, siga adiante. Hoje temos 52 funcionários dedicados exclusivamente a franqueadora e eles sabem que estão lá para fazer o franqueado ganhar dinheiro.
EXPANSÃO NACIONAL
É um projeto que deu certo. Hoje temos mais de 50 lojas no Paraná, expansão forte no Mato Grosso, lojas em todo o Brasil. Acabamos de abrir novas unidades lá longe, na Amazônia, em Manaus e em Belém. Estamos em São Luís do Maranhão, Teresina, Fortaleza, Natal, Recife, João Pessoa, Salvador. É no Brasil todo, do Rio Grande do Sul a Manaus, passando por grandes mercados como São Paulo. Nosso projeto é chegar a mil lojas. Hoje o nosso maior concorrente, Ortobom, tem cerca de duas mil lojas. Nosso projeto é diferente dele, trabalhamos com produtos mais sofisticados, de maior valor agregado. E agora vamos investir também em roupa de cama.
A PERDA MAIOR
Nossa perda irreparável foi o falecimento da filha Lauren naquele novembro de 2009. Enfrentamos com muita fé e força da família. Perder avô, pai, é uma coisa natural. Mas quando um filho vai antes de você é preciso lidar com uma inversão… não existe dor pior do que isso. A dificuldade foi muito grande. Somos famílias de muita oração, de muita fé, tanto do meu lado quanto do lado da esposa. Em fevereiro de 2011 nasceu o Francisco, o nosso pequeno. Ali a gente se ocupou com ele e, embora um não substitua o outro, a vinda dele nos trouxe a felicidade para dentro de casa novamente. Os dias se passaram, os anos se passaram e o tempo vai fazendo suas curas.
E O FUTURO?
Estabelecemos uma fábrica na Paraíba, em João Pessoa, para atender o Nordeste. Transformamos uma unidade de São Paulo em centro de distribuição e ampliamos a produção na fábrica do Paraná, aqui em Capitão. O projeto prevê para curto prazo uma planta industrial no Sudeste, em Minas Gerais. A meta de mil lojas exigirá ainda mais uma unidade fabril, que estará no Norte e Centro-Oeste. Então, assim, teremos quatro plantas para alimentar o projeto de franquias. A franqueadora vai crescendo com entusiamo, é um ótimo negócio para o franqueador, e vamos levar essa oportunidade para mil empreendedores.
PAPEL DA LIDERANÇA
Meu filho Leonardo, minha esposa Nereide, toda a nossa equipe está atenta e compromissada. Recebemos distinções significativas, como o Prêmio de Franquia 5 Estrelas da revista “Pequenas Empresas, Grandes Negócios” e igual reconhecimento da Associação Brasileira de Franquias, entre outros prêmios. Então, o que isso quer dizer? É o trabalho bem feito da equipe. É profissionalizar a gestão familiar. Meu pai, aos 80 anos, ainda contribui na logística, com a frota de caminhões, assim unimos juventude e experiência.
A gente é muito transparente em família, com os clientes, colaboradores e franqueados.
Eu sempre falo, a liderança tem que servir, ela não é para ser servida. Passo isso para a equipe, precisamos servir ao nosso cliente, aos nossos funcionários. Tenho certeza que com muita dedicação a empresa sempre vai seguir adiante, distribuindo oportunidades a todos.