Até onde se sabe, nenhum sacerdote de Cascavel entregou a hóstia junto com o santinho de seu candidato a vereador. Mas nunca até aqui os padres tiveram participação tão ativa em uma eleição.
É extensa a lista de vereadores eleitos que oram voltados para Roma. A começar pelo mais votado, Tiago Almeida, que obteve o apoio (declarado abertamente ou articulado) de pelo menos seis padres, notadamente na Porção Sul do município e na zona rural. Tiago fez 4,2 mil votos, a maior votação nominal desde que Guerino Zotti cravou 3.999 sufrágios quase três décadas atrás.
“Tiaguinho”, como é tratado por um de seus admiradores mais populares que veste batina, o padre Gustavo Marmentini, do Cascavel Velho, carrega um apelido curioso conforme relata Miguel Dias, veterano comunicador de ouvidos colados nas paredes da Câmara.
- Ele é conhecido aqui nos corredores do Legislativo como piazinho dos padres, relata Dias.
ORAÇÃO EM LÍNGUA
Outros leais ao argentino Chico também foram eleitos com apoio de leigos e padres católicos, alguns deles pela Renovação Carismática, movimento surgido nos Estados Unidos que incorpora aos rituais alguns elementos oriundos do pentecostalismo (orações em línguas, liturgias animadas, “encontros pessoais” com Cristo).
Também foram bem votados em bases católicas: Carlos Xavier, Rondinelle Batista, Antonio Marcos, Everton Guimaraes e João Diego.
Um certa mescla de catolicismo com neopentacostalismo não soa estranho aos eleitos pelo Partido Republicanos em Cascavel. Afinal, a sigla foi fundada para ser o braço político da Igreja Universal, do auto-proclamado bispo Edir Macedo.
O presidente nacional do partido, Marcos Pereira, é bispo da Universal, mas nunca chegou a chutar a santa para impedir a ascensão de católicos.
- Em tempo: três candidatos a prefeito eram vistos com mais frequência ajoelhados na Catedral que o próprio pároco: Renato, Xerife e Edgar.
OPORTUNISMO
O jovem padre Marmentini admite que a hieraquia católica se envolveu mais neste ano. Segundo ele, muitos colegas de batina entendem como tímida a atuação da pastoral política católica. “Qualquer candidato vai lá e põe assinatura num papel da pastoral, isso não quer dizer muita coisa, e atrai oportunistas também, assim acaba prestando um desserviço para a causa”, disse.
De outro lado, o sacerdote disse que é preciso entender onde está a linha tênue que separa a igreja e a religião da política. “Não se deve levar essa questão ao púlpito, essa mistura, historicamente, não deu certo”, disse.
Marmentini enfatiza que não há uma disputa por influência política com os evangélicos e deixou um alerta aos abençoados pelas urnas: em pleitos anteriores, muitos outros foram eleitos pelos católicos, mas, no primeiro escorregão, perderam seus mandatos.
Entre os 21 eleitos, somente Cidão da Telepar é declaradamente evangélico. No entanto, a denominação que ele frequenta, a Congregação Cristã, desaconselha o envolvimento de pastores com o mundo das urnas.
O terceiro mais votado, Alecio Espinola, é “total flex” no mundo espiritual: recebeu apoio de bispo evangélico e de ministros católicos. Está cotado para mais um mandato na presidência na Casa, ou compor o 1º escalão da Prefeitura.
Completa o top 3 dos mais votados o emedebista Edson Souza, cuja votação, firmando uma exceção à regra, não vem de agrupamentos religiosos. Souza cultivou uma base eleitoral sólida entre servidores da saúde pública e na Unioeste, notadamente no Hospital Universitário, o tal voto corporativo.
PITACO DO PITOCO
Fala-se “cidade paroquiana”, de forma depreciativa, pequenos municípios em que a influência da igreja se sobrepõe aos mandatos políticos. Não é o caso de Cascavel, embora os católicos tenham obtido uma musculatura inigualável nas eleições deste ano, panteão em que é possível incluir o primeiro mandatário do município a partir de janeiro.
O curioso é a mudança da seta ideológica: o PT de Cascavel praticamente nasceu e se expandiu embaixo das batinas. O MST nacional nasceu dentro de um seminário cascavelense. Era o auge da “Teologia da Libertação”, acusada de abrigar perigosos “padres e bispos vermelhos”. Um sacerdote católico petista foi deputado federal no Paraná e chegou a disputar a governadoria: padre Roque.
São outros os tempos: os eleitos por leigos e padres agora são jovens barbudos da direita. Talvez esse fenômeno explique a decadência eleitoral do PT em Cascavel, embora a direção das setas ideológicas não sirva de régua para medir caráter ou intensidade da fé e o fundamentalismo religioso deponha contra o ecumenismo.