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De marechalrondon@ceu.fim para gen-nogueira@defesa.gov

Exmo sr general Paulo Sergio Nogueira e Oliveira
Ministro de Estado da Defesa

Perdão pelo formalismo, venho de outros tempos, quando a palavra respeito tinha valor. Nasci na segunda metade do século XIX. Parti contrariado em janeiro de 1958, meses antes de um jovem negro de 17 anos estupefar o mundo na Copa da Suécia.

Minha carreira militar foi forjada na selva. Com meus homens de um pelotão raiz, desbravei o Mato Grosso e esquadrinhei a Bacia Amazônica Ocidental, onde convivi fraternalmente com povos originários. Marchei dias e noites na floresta. Demarquei fronteiras, desbravei rios, defrontei-me com bichos, onças, serpentes e mosquitos em tempos pandêmicos de malária.

Acredito que essa breve biografia permita tomar a liberdade de lhe dizer: ouvi aqui ao longe os gritos de horror no Vale do Javari, por onde naveguei em precárias embarcações. Ouvi os tiros. Vi a mancha de sangue descer o canal do rio mesclada às águas barrentas. Ouvi os últimos suspiros dos alvejados, um jornalista e um indigenista.

Espero que tais horrores não tenham chegado ao conhecimento do nosso patrono. Melhor Caxias jamais saber que perdemos a soberania nacional na Amazônia para os grileiros, os garimpeiros, os contrabandistas de madeira, de ouro, os traficantes, o pior tipo de gente que a espécie sapiens pode produzir.

Ministro, estive acompanhando o noticiário. Não posso crer que estão transformando nossa Amazônia num gigantesco Morro do Alemão, numa Rocinha alagada, em um narco-estado miliciano!

Não pode ser verdade que mais da metade de nossos efetivos militares estejam alocados em funções burocráticas de cidades praianas, como o Rio de Janeiro, contra apenas 8% na Amazônia. Custa-me acreditar que quase 5 mil guerreiros, homens forjados para o embate, cuja formação foi paga pelo povo brasileiro, estejam hoje pendurados em cargos comissionados em Brasília.

Ministro, diga que é mentira a licitação de toneladas de picanha para oficiais, bebidas importadas sorvidas por obesos fardados na caserna, tudo às expensas do pilhado pagador de impostos.

Recuso-me acreditar que licitaram Viagra e próteses penianas! Com o perdão da expressão chula, general, mas isso é broxante.

Difícil crer que integrantes do Exército de Caxias, que combateu o nazi-fascismo na Itália, estejam hoje subordinados ao projeto político pessoal de um insubordinado.

As nossas distintas Forças Armadas, general, são instituições de Estado, não de governo! Inconcebível perceber que vocês estão mais preocupados com as urnas eletrônicas do que com uma de nossas principais riquezas, a biodiversidade amazônica.

Caro ministro, embora minha patente de marechal esteja hierarquicamente acima da sua, não peço que preste continência. Muito menos continência alheia.

Mas anote o que lhe digo: em respeito à memória dos pracinhas que tombaram em Monte Castelo e outras tantas célebres batalhas, afaste a política dos quartéis - ditadura militar é coisa de república bananeira -, corte as mordomias, faça respeitar o dinheiro público e marche com as tropas para a selva como eu e meus homens fizemos um século atrás. Restaurem a soberania nacional na Amazônia. Esqueçam as urnas e sirvam humildemente ao principal ativo da nação: seu povo e sua
biodiversidade.

Voltem para a missão, guerreiros! Navios estão mais seguros no porto, mas não foi para isso que foram construídos.

Me despeço, caro general, ecoando aqui um grito de guerra ausente da ordem do dia nesses tempos de militância militar urbana: SELVA!

Respeitosamente,
Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon

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