Ele pôs gravata em Cristo!
Dirceu Rosa - aos 73 anos de idade e 55 de profissão - ainda tem muita lenha para esculpir, e fez história ao colocar terno e gravata em Jesus Cristo na Santa Ceia

Filho do carpinteiro semi-alfabetizado Altino e da dona de casa Nair, o pré-adolescente Dirceu Rosa da Silva gostava de pintar em sua juventude previsível na pequena cidade de Cianorte, a 85 quilômetros de Umuarama.
Até que participou de uma exposição de arte sacra em Maringá e retornou para casa disposto a usar as ferramentas do pai e esculpir sua primeira peça. Hoje as obras dele, a maioria constituída de esculturas de Jesus Cristo, estão em 330 igrejas de Rondônia ao Rio Grande do Sul.
Autor do “dedão” do Calçadão, o escultor revelou ao Pitocast, o podcast do Pitoco, como venceu o medo de altura para esculpir a santa da Catedral e se comove ao relatar qual foi a obra mais desafiante da carreira.
Acompanhe os principais trechos do depoimento, incluindo um acidente com o Cristo da Catedral e uma queixa com o tratamento dispensado à sua principal obra, a Nossa Senhora de Aparecida:
Pitoco - Vamos falar das três obras de maior visibilidade sua? Comece pela Nossa Senhora, na Catedral…
Dirceu Rosa - É minha obra principal, até por ser a maior de todas, com 13,20 metros de altura. Tive que enfrentar meu medo de altura. Enchi o chão onde pisava de madeira para não enxergar o solo e enfrentar minhas vertigens. Mas valeu, deve ser hoje o local mais fotografado de Cascavel.
Cite um perrengue na feitura da obra.
Alguns evangélicos não gostaram de ver aquilo. E protestavam ali. Certo dia perdi a paciência, desci da obra e dei um corridão em um deles que estava distribuindo panfletos contra a imagem.
E o “Dedão do Luis Ernesto”?
É o mais comentado, uns falam bem, outros mal, mas não passa despercebido, então atingiu seus objetivos.
O Monumento dos Pioneiros, na quadra do Centro Cultural Gilberto Mayer…
Primeiro disseram para produzir uma escultura retratando a gauchada que colonizou a região, depois ligaram dizendo: tira os gaúchos, põe os catarinenses…
E você?
Argumentei que quando cheguei aqui, nos anos 1970, era só gaúcho na cidade. Bati o pé e disse: estavam projetados somente dois personagens gaúchos e um cachorro, vou acrescentar um terceiro que vocês podem chamar de catarina, paulista, do que quiserem.
Qual foi o personagem mais difícil de esculpir?
Ah, foi o cachorro. Sempre tive dificuldade de trabalhar com animais.
E sua marca registrada, os dedos e unhas, como surgiu?
Quando comecei, não sabia esculpir mãos, não gostava, escondia, se pudesse eliminar as mãos, eliminava. Mas aí pensei comigo, as mãos são fortes expressões humanas, preciso aprender a fazer. E passei a colocar em todas as obras. Hoje, trabalho meu sem essa marca não vende.
Seu trabalho é inspirado em algum grande artista, Da Vinci, Salvador Dali, Van Gogh?
No resultado final do trabalho deles em si não, mas os círculos que Da Vinci fazia na etapa inicial da produção eu adotei para dimensionar corretamente e deixar a obra na proporção certa.
Artistas em fim de carreira se queixam muito da penúria, não parece ser o seu caso…
Por mais de 50 anos sempre trabalhei até 23h30, meia noite. Não me sentia cansado, era todos os dias com a marreta de um quilo em cima de uma tora. Era o que eu gostava de fazer. Hoje tenho os filhos encaminhados, investi, tenho uma renda que me sustenta, me preparei para esse momento e nem aceito mais encomendas, estou esculpindo somente por hobby.
Exagerou no estoque de madeira?
Sempre comprei muita madeira, trabalhava com pranchas de 10 centímetros. Isso leva um ano para secar, então eu nunca deixava acabar. Tenho um estoque muito alto, é madeira que não conseguirei gastar neste restinho de vida.
De sua marreta pesada saíram muitos cristos, santos e santas ceias, certo?
A arte sacra não era minha opção preferencial, mas a vida encaminhou para isso. Fiz trabalhos para 330 igrejas, de Norte a Sul do Brasil, agora parei, não aceito mais encomendas.
Como foi aquele acidente com a escultura de Cristo?
Eu era recém chegado a Cascavel, em 1975, o então pároco da Catedral, padre Chico, encomendou a escultura de Jesus Cristo, que até hoje está lá. Posicionamos a obra no local indicado e nos afastamos para enxergar o todo. Aí o Cristo caiu…
Caiu?
Sim, caiu da parede, chocou-se com uma estrutura de mármore. Foi a perna para um lado, a cabeça para outro e quebrou um dedo.Falei para o padre: vou levar para casa e fazer outro. O padre Chico discordou, disse que aquilo estava tão bem feito, e sugeriu que a gente colasse as partes soltas. E assim foi feito. Até hoje está lá, bem colado.
A reforma na imagem de Nossa Senhora Aparecida ficou OK?
Ficou ótima, porém a iluminação…
O que tem?
A escultura ficou no escuro por 30 anos, sob meus protestos. Agora, o que fizeram, deixou muito a desejar. Gastaram um rio de dinheiro, colocaram refletores inadequados, ficou péssimo. O que sugeri custaria uns R$ 2 mil. Gastaram R$ 40 mil e ficou uma porcaria de iluminação.
Não consultaram o autor da obra?
Sim, consultaram. Contrataram um cara de Maringá que veio com uma ideia de soldar refletores no corpo da obra. Falei prá ele: isso não é um pé de jabuticaba nem árvore de natal para encher de luzinhas. Insistiram naquilo, então lavei as mãos. Fizeram um trabalho ruim mas ficou melhor do que estava.
Qual foi a obra que mais desafiou seus talentos?
A obra mais difícil de uma vida foi fazer a escultura no túmulo de minha filha… coisa difícil, né? Fiz uma elevação, uma mulher soltando uma pomba, está no Cemitério Central com uma cópia no jardim de minha casa.
O que falta em sua obra?
Falta nada, consegui em vida o que a maioria dos artistas só conseguem após a morte.
Cascavel reconhece sua dimensão como artista e escultor?
Para os políticos eu não existo, mas o povo reconhece, isso é que importa.
A gravata de Jesus
A Santa Ceia no púlpito da Catedral retratada como nunca se viu, com Jesus Cristo de terno e gravata, e a diversidade étnica representada nos apóstolos: indígenas, negros e até um asiático.
Um dos apóstolos surge de óculos, algo inexistente no tempo de Cristo. O padre Chico, pároco da Catedral nos anos 1970, europeu cosmopolita, conhecedor da arte atrevida de gênios como Leonardo da Vinci e Michelangelo, consentiu a inovação do artista Dirceu Rosa.
Talvez um sacerdote mais tradicionalista tivesse barrado a obra, e privado Cascavel de um desenho único da Santa Ceia. Comitivas internacionais de religiosos italianos que estiveram visitando a Catedral fotografaram a escultura, e disseram que não há em lugar nenhum do planeta algo sequer parecido. A Santa Ceia esculpida por Dirceu Rosa é também a porta do sacrário, ou tabernáculo, local que abriga a hóstia.